Impassíveis, os clientes conservaram seus lugares enquanto os pistoleiros mexiam nos bolsos de Pérez. Viam o sangue que saía da cabeça do jovem. E quando chegava a sua vez, cada um comprava os dois tubos de pasta de dentes que o programa de racionamento autorizava.
— Agora a fila tem prioridade — disse a farmacêutica Haidé Mendoza. — Você se assegura de conseguir o que necessita e não tem pena de ninguém.
À medida que as filas se tornam mais longas e perigosas, vão se tornando não só o cenário do cotidiano, mas um pano de fundo da morte. Mais de 20 pessoas foram assassinadas nas filas nos últimos 12 meses, incluindo uma menina de 4 anos, vítima de um tiroteio entre gangues. Uma mulher de 80 anos morreu pisoteada quando uma fila se tornou repentinamente uma turba de saqueadores, algo que acontece com crescente frequência.
— A crise piorou exponencialmente. Isso se converte em grandes filas que são o cotidiano de quem não compra no mercado negro — explicou o presidente da Datanálisis, Luis Vicente León. — Estas pessoas que estão na rua são hipersensíveis, pode haver conflitos, brigas, de tudo. Estão competindo por um bem escasso.
A vasta riqueza petroleira da Venezuela era o combustível da economia. Mas anos de má administração provocaram a paralisação de boa parte da produção, e o país passou a depender em grande parte de importações.
A cadeia de oferta foi sendo cortada à medida que a queda do preço do petróleo cru deixava o país sem dinheiro para pagar, inclusive, artigos de primeira necessidade.
O desespero alimenta a violência. A estudante de medicina María Sánchez parecia tímida e distraída como qualquer pessoa em uma fila de Caracas para comprar farinha, mas quando uma mulher tentou entrar na sua frente e na de sua mãe, ela começou a socá-la. Só parou quando a intrusa se afastou, mancando. María passou o resto da espera com os lábio apertados, enquanto a mãe chorava baixinho.
— É preciso ser dura ou as pessoas se aproveitam — disse María. — A necessidade tem a cara de um cachorro.
E a necessidade está em todas as partes.
Às quartas-feiras, vizinhos de um dos bairros mais ricos de Caracas fazem fila com galões de 20 litros à espera do caminhão de água potável.
Às sextas-feiras se estendem as filas dos bancos porque os caixas automáticos, onde se pode sacar US$ 8 por dia, não dão vazão com a inflação mais alta do mundo e não são reabastecidos no sábado e no domingo.
Segunda-feira e terça-feira, as filas são em frente aos escritórios de migração, como se as pessoas tivessem decidido no final de semana que não suportam uma semana mais.
As filas de milhares de pessoas são alvo para ladrões, que às vezes vão roubando pessoa por pessoa. Supermercados e caminhões de abastecimento são vigiados por soldados com lança-gases e fuzis.
A poucas quadras de onde morreu Pérez, outros clientes viram uma multidão queimar vivo um homem acusado de roubo. Assim que ele foi levado pela ambulância, alguns dos atacantes entraram na fila para fazer compras.
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