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domingo, 11 de setembro de 2016

EUTANÁSIA: DIREITO DE MORRER! ATLETA BELGA ASSINA PAPÉIS E EXPLICA O PORQUÊ DE QUERER MORRER.

Belga quer fim de tabu no Brasil e diz que liberar a eutanásia reduz suicídios

Marieke Vervoort já conquistou uma prata na Paralimpíada e briga por outra medalha

SOBRE APROVEITAR A VIDA, ABRAÇOS E O ADEUS

Marieke Vervoort levará boas lembranças do Brasil. Na última Paralimpíada da carreira, já conquistou uma prata nos 400m e ainda buscará mais uma medalha nos 100m da classe T52 na pista do Engenhão. Mas, mesmo que o clima e o carinho do povo lhe agradem, acredita que o país ainda tem muito a evoluir, ao menos no que diz respeito à eutanásia. Nascida e residente na Bélgica, que possui a legislação mais tolerante do mundo no que se refere ao direito de pôr fim à própria vida em caso de doenças terminais, ela assinou em 2008 documentos que lhe garantem poder escolher quando morrer para manter sua dignidade.
- Espero que outros países como o Brasil possam falar sobre isso sem ser um tabu. Isso faz pessoas viverem mais. Não significa que quando você assinar, duas semanas depois você vai morrer. Eu assinei meus papéis em 2008, veja agora, em 2016, ganhei uma medalha de prata. É realmente uma maravilha. Sei que em muitos países a eutanásia não é permitida, nem desligar os aparelhos. Mas eu quero inspirar todos os países mostrando que isso é melhor e torna as pessoas mais felizes. Acredito que se eu não tivesse esses papéis eu já teria cometido suicídio. Ficaria em casa sofrendo pensando nisso em vez de aproveitar meus momentos. Eu ficaria parada pensando em tudo de ruim que iria me acontecer, se eu ficaria como um vegetal, sem conseguir fazer nada. Não quero chegar a esse ponto. A eutanásia traz mais tranquilidade, felicidade, vai reduzir o nível de suicídio. Você terá mais pessoas com essa vontade de querer aproveitar a vida. 
Descrição da imagem: sorrindo, Marieke exibe sua medalha de prata (Foto: AP Photo/Leo Correa)Descrição da imagem: sorrindo, Marieke exibe sua medalha de prata (Foto: AP Photo/Leo Correa)
Marieke sofre de uma doença degenerativa incurável - diagnóstico até hoje incerto -, mas que lhe causou inúmeros prejuízos físicos. Tudo começou com uma inflamação no pé aos 14 anos, mas logo o problema se alastrou aos joelhos, e aos 20 ela já dependia de uma cadeira de rodas para se locomover. Além de ter os membros inferiores completamente paralisados, ela possui apenas cerca de 20% da visão e sofre de dores terríveis, que não lhe permitem dormir por mais uma hora ao longo da noite.
Para alívio de Marieke, a Bélgica legalizou a eutanásia em 2002, tornando-se 12 anos mais tarde o único país no mundo no qual não existe limite mínimo de idade para tomar tal decisão. No caso das crianças, no entanto, o processo de avaliação dos casos é ainda mais rígido, necessitando da aprovação dos pais e do julgamento de uma equipe de médicos e psicólogos.
- É um processo extremamente difícil, complexo. Não é algo que você vai numa loja e compra algo que deseja. Eles precisam consultar vários médicos, têm que atestar que você tem uma doença terminal, que não pode mais viver com essa doença e não há nenhuma chance de cura, de melhoria. É preciso consultar três especialistas e também um psiquiatra para atestar que você tem capacidade mental para tomar tal decisão. Quando isso passar a ser insuportável para mim, vou ter minha vida nas minhas mãos. Ainda assim será preciso consultar os médicos novamente - explicou a atleta.
Descrição da imagem: Marieke chega para entrevista coletiva (Foto: AP Photo/Leo Correa)Descrição da imagem: Marieke, na cadeira de rodas, chega para entrevista (Foto: AP Photo/Leo Correa)
A Europa é justamente o continente que mais permite o procedimento, com regulamentação em Holanda, Alemanha, Suíça, França, Alemanha, Áustria e Luxemburgo. Nos Estados Unidos, cada estado tem autonomia para decidir sobre a legalidade, e em 1997 o Oregon foi pioneiro entre os poucos que dão esse direito aos pacientes terminais. Na América do Sul, Uruguai e Colômbia apenas toleram a morte assistida, permitindo que a Justiça não penalize quem cometa o chamado “homicídio piedoso”.
No Brasil, além de ilegal, a eutanásia é considerada antiética pelo código de medicina. A única prática aceita é a ortonásia, que consiste em tratar os sintomas de uma doença para melhorar a qualidade de vida do paciente. Em outras palavras, é basicamente prover condições para que ele morra da maneira mais confortável possível.
SOBRE APROVEITAR A VIDA, ABRAÇOS E O ADEUS
Durante toda a entrevista coletiva concedida neste domingo, Marieke explicou pacientemente sua condição clínica e as razões que a levaram optar pela eutanásia. Ao longo da hora em que respondeu aos questionamentos dos jornalistas, a belga exibiu seu melhor sorriso. Disse que este era um dos bons dias que sua doença lhe permite viver. Nos dias ruins, chega a desmaiar de tanta dor. Precisa ser internada até que a situação se normalize.
Em vez de se entregar, a atleta justamente tenta aproveitar cada segundo de que dispõe para viver de forma intensa. Sonha conhecer o Japão, mesmo que as viagens sejam raras devido a todo aparato de cuidados médicos e pessoais que necessita. Quer fazer bungee-jump, saltar de paraquedas e tudo mais o que vier na telha.
- Eu aproveito cada minuto. Quando você tem um dia ruim, você aproveita em dobro o dia bom. Muitas pessoas quando estão doentes ficam reclamando sobre a semana. Quando é comigo, no dia seguinte eu fico tão feliz, saboreio cada momento. Eu sou uma pessoa maluca, já fiz bungee jump na cadeira de rodas. Quero saltar de paraquedas. Quando era criança sente num caça F16 e agora queria voar num F16. Queria também participar de um rally. Mas o principal seria montar o meu museu.
Marieke Vervoort venceu três provas no Mundial de Doha, no Catar em 2015 (Foto: Getty Images)Descrição da imagem: Marieke na cadeira de corrida no Mundial de Doha, em 2015 (Foto: Getty Images)
Para realizar tal sonho, Marieke ainda não tem apoiadores. Por enquanto, só o próprio cuidado de ter guardado todas as cadeiras de corrida utilizadas nas principais competições do mundo, material de natação e ciclismo dos tempos do triatlo, além de muitas fotos e souvenirs dos países que visitou através do esporte. Ela espera que suas lembranças sirvam para inspirar outras pessoas. Não só a lutarem pelo direito à eutanásia, mas principalmente para aproveitarem a vida.
É o que Marieke vai fazer a partir de agora. Além das “maluquices” listadas, espera passar o tempo que lhe resta com amigos e familiares. Não quer mais enfrentar as duras horas de treino, nas quais briga com o próprio corpo. Não quer mais depender de autorizações especiais para que os medicamentos que toma, dentre eles a morfina, não apareçam em exames antidoping. Só não abre mão de seu remédio favorito.
- Meu melhor medicamento é um abraço forte. Às vezes, choro muito quando estou sofrendo, e me traz muito calor quando alguém me segura nos braços, me conforta, diz que está comigo, o que pode fazer por mim. Eu chego a chorar. Quando está difícil demais eu falo que quero morrer, que não quero mais viver, quando a coisa fica muito difícil, choro, grito, mas aí vem um dia bom e volto a aproveitar a vida e os momentos. 
Rainha da Bélgica Mathilde medalha prata  Marieke Vervoort 400m T52 (Foto: Reuters)Descrição da imagem: Rainha da Bélgica posa ao lado de Marieke, que exibe medalha e mascote (Foto: Reuters)
Antes do adeus oficial das pistas, a atleta ainda compete no Engenhão no dia 17, quando defenderá o título dos 100m. Ela sabe que será difícil manter o nível de Londres devido à progressão de sua condição clínica, mas lutará ao máximo pelo pódio. Se o resultado é uma incógnita, a certeza é que irá se emocionar muito.
- É um sentimento duplo. Estou muito feliz por estar aqui, a abertura foi fantástica, aproveitei muito. Enquanto eu aproveitava feliz eu estava chorando ao mesmo tempo porque fiquei pensando que era minha última Paralimpíada, ultimo grande evento. Ganhar a prata foi excelente. Eu chorei porque eu conquistei a prata. Tem o outro lado, a felicidade, mas também o sofrimento. No dia 17 vou dar o máximo de mim. Meus braços vão quase sair do meu corpo. Quando eu tiver terminado essa prova, acho que vai ser muito difícil para mim. Não sei em que colocação vou chegar, mas vou chorar muito porque vai ser minha última vez na cadeira de competição. 
A transição da vida de atleta para a de aposentada é a única passagem que Marieke teme. Sobre a morte, encara com muita tranquilidade, em parte devido a suas inclinações budistas.
- Eu tenho uma relação diferente com a morte hoje comparado com o passado. Se alguém há anos perguntasse por bungee-jump, eu falaria "Jamais!", mas hoje não tenho medo da morte, vejo que isso seria algo a me dar adrenalina. Acho que a morte é algo como ir dormir e nunca mais vai acordar, como se fosse um cirurgia, como se fosse sedada. Vai ser algo tranquilo. A eutanásia vai me trazer paz. Uma morte natural pode ter sofrimento. Eu não quero sofrer para morrer. Quero morrer com as pessoas que amo ao meu redor. Para mim não é algo negativo, é positivo.

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